Father Forgets (O Pai Esquece) - de W. Livingston Larned
- Psicomotricidade Para Todos Psicomotricista Carmen Sandu
- 20 de jun. de 2022
- 2 min de leitura

Ouve, filho: vou dizer-te isso enquanto dormes, com uma mãozinha debaixo da bochecha e os caracóis loiros colados à tua testa húmida. Entrei no teu quarto sorrateiramente. Há uns minutos, estava a ler o jornal no escritório, e de repetente senti uma onda avassaladora de remorsos. Foi com um sentimento de culpa que me aproximei da tua cama.
Estas são as coisas em que fiquei a pensar, filho: fui ríspido contigo. Ralhei-te quando estavas a vestir-te para escola porque não tinhas lavado muito bem a cara. Ralhei porque não tinhas os sapatos limpos. Zanguei-me quando atiraste algumas coisas para o chão.
Ao pequeno-almoço descobri mais falhas. Entornaste as coisas. Engoliste a comida sem a mastigar. Puseste os cotovelos na mesa. Barraste o pão com demasiada manteiga. E quando te afastaste para ir brincar, e eu me dirigi para o comboio, viraste-te e acenaste com a mão, dizendo: “Adeus, pai!”, e eu franzia o sobrolho e respondi: “Endireita as costas.”
Depois tudo recomeçou ao fim da tarde. Fui para a rua vigiar-te, quando estavas de joelhos a jogar ao berlinde. Tinhas as meias rotas. Humilhei-te à frente dos teus amigos, levando-te para casa à minha frente. As meias são caras e se tivesses de as comprar serias mais cuidadoso. Imagina isto, filho, dito por um pai!
Lembras-te quando eu, mais tarde, estava no escritório a ler, e tu entraste timidamente, com um olhar magoado? Quando olhei por cima do jornal, incomodado pela interrupção, ficaste hesitante no umbral da porta. “ O que queres?”, lancei.
Não disseste nada, mas correste para mim impulsivamente e atiraste os braços à volta do meu pescoço e deste-me beijos, com os teus bracitos a apertar-me e com o amor que Deus fez brilhar no teu coração, e que mesmo a minha falta de atenção não conseguiu fazer esmorecer. E depois correste as escadas acima.
Bem, filho, pouco depois o jornal escorregou das minhas mãos e senti-me terrivelmente mal. Como é que entrei nesta rotina?
A rotina de apontar falhas, reprimendas - era a minha recompensa por seres uma criança.
Não deixei de te amar, mas tinhas expectativas demasiado elevadas para a tua infância.
Estava a avaliar-te pela medida da minha idade.
E havia tanta coisa boa, perfeita e autêntica no teu carácter.
O teu pequeno coração era tão grande quanto a alvorada que se levantava por detrás de enormes montanhas. Demonstraste-o com o impulso espontâneo de vires despedir-te antes de ires dormir.
Nada mais interessa, filho. Vim para a tua cabeceira no escuro, e ajoelhei-me perto de ti, envergonhado!
É uma tentativa fraca de expiação: sei que não perceberias estas coisas se as dissesse durante o dia. Mas amanhã vou ser um verdadeiro pai! Vou ser o teu companheiro, sofrer quando sofres, rir quando ris. Vou morder a língua quando tiver palavras impacientes. Vou repetir para mim mesmo, como num ritual:
“ É apenas um rapaz, um rapazinho!”
Receio bem ter-te olhado como um homem. Mas quando te vejo agora, filho, enrolado na tua caminha, vejo que ainda és um bebé. Ainda ontem estavas ao colo da tua mãe, com a cabeça no seu ombro. Pedi-te demasiado, demasiado.

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